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Obra de Marcos Tedeschi (2016, Óleo sobre tela)

O coronavírus não dá trégua: mesmo com a chegada da vacina, ainda temos que usar máscara, higienizar as mãos e evitar aglomerações. Como conviver com esta nova realidade? Nossa única saída é usar a mente, pensar, para suportar tudo isso.

E, diante do caos, finalmente ela chegou… A tão aguardada: vacina contra a Covid-19. A imprensa brasileira detalha o seguinte fato: “Após a aprovação do uso emergencial pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), a enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, foi a primeira pessoa a ser vacinada contra a Covid-19 no Brasil. Ela recebeu o imunizante Coronavac, desenvolvido no país pelo Instituto Butantã, no Hospital das Clínicas de São Paulo” (SATIE, 2021). 

 Com essa notícia, fomos contagiados por uma grande euforia. Um estado que apresenta despreocupação, alegria e otimismo que, em pouco tempo, não correspondeu mais com a realidade. Pois, mesmo com a chegada da vacina continuamos perdendo vidas e enfrentando grandes desesperos. Assim, vamos contabilizando decepções e perdendo a capacidade de sonhar. 

Muitos de nós estamos perplexos! Percebemos que essa realidade do coronavírus expõe a nossa miséria. Não conseguimos isolar os nossos consultórios destas questões de morte, de luto e de perdas. E de um sistema individualista que apela ao lado narcísico de cada um. 

Hoje, mais do que nunca, precisamos ter uma mente para transformar tudo isso. Há uma imensidão de estímulos. Vivemos entre traumas, mortes e questões significativas da própria essência. Temos que pensar. Se não pudermos pensar, não temos escolhas. Ferro (2005) afirma que as situações traumáticas com grande quantidade de estimulação sensorial, atingem a capacidade operacional da função alfa. Ou seja, diminuem a capacidade de pensar e de sonhar. 

Precisamos construir pontes de simbolização, fortalecendo nosso aparelho de pensar, introjetando funções psíquicas elaborativas, utilizando o autoconhecimento, criando possibilidade e transformando a forma de lidarmos com o mundo. Necessitamos conhecer nossos pensamentos e sentimentos, passando por um processo de reflexão onde nos debruçamos sobre a parte mais escura de nós mesmos. Para isso, contamos com a ferramenta do processo analítico. 

Para Ferro (2013) a análise tem como um dos seus objetivos possibilitar ao paciente a capacidade de sonhar. Dessa forma, ele metaboliza a imensidão de estímulos que não foram assimilados e que provocam sofrimento.

Parece possível afirmar que a vacina oferece um paralelo simbólico interessante de benefícios, em comparação com o processo psicanalítico. A vacina é como um instrumento, assim como a análise, que auxilia a nossa capacidade de nos mantermos vivos, sentindo e pensando, mas que não nos impede totalmente de entrar em contato com o vírus ou dor psíquica. 

  A análise é um caminho que pode nos leva a manter a esperança, o sonhar, sem perder os pés da realidade. A vacina produz um determinado efeito, que pode ser comemorado, mas não exaltado como a resolução definitiva do combate ao coronavírus. Porém nada a ser comemorado, já que a eficácia da vacina não corresponde ao desejado. Temos, ainda, que se munir de meios para prevenção e tratamento, afinal o sistema de saúde está em falência. O resultado é que ainda não podemos abraçar familiares e amigos.

Nessa linha, retomando o paralelo com a análise, se esperamos que a análise seja a tábua de salvação de nossos problemas, que nos salvaria de um jeito mágico, nos livrando de qualquer dor, estaríamos, infantilmente, acreditando que a vacina nos protegesse e nos livrasse de qualquer mal, ou que elimine totalmente este vírus (o que não é verdade).

Assim sendo, temos que nos contentar com o fato de que a vacina auxilia o corpo a desenvolver defesa contra a Covid-19, mas ainda nos obriga a utilizarmos máscara, higienizarmos as mãos com frequência e respeitarmos o distanciamento social. Penso que o mesmo vale para a análise: nunca estaremos imunes à experiência de dor psíquica, mas através desse processo, poderemos encontrar mais recursos de enfrentamento e tolerância, aos ataques a um “corpo/mente” que consegue receber um “vírus”, e encontrar formas de enfrentar a dor. 
 
Referências 
FERRO, A. (2005). Fatores de doença, Fatores de cura-gênese do sofrimento e da cura psicanalítica. Rio de Janeiro: Imago.  
FERRO, A. & BASILE, R. (2013). Campo analítico: um conceito clinico. Porto Alegre: Artmed.
SATIE, A. CNN em São Paulo – disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/2021/02/12/enfermeira-monica-calazans-1-vacinada-do-pais-recebe-2-dose-da-coronavac. Acesso em 03 de março de 2021.

 
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Agradeço ao Departamento Científico do IEP por estar de braços abertos para divulgar os textos de seus alunos proporcionando a capacidade e pensar e de sonhar.  ​


Por: Cássia Maria Andrade Braghetto. Graduação em Psicologia (CRP:06/11.89.84) pela Universidade Paulista. Aluna do 2º ano do curso de Especialização em Teorias e Técnicas Psicanalíticas do IEP.