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Ipê Amarelo em Beira de Lago (Túlio Dias)

“Não há tempo consumido
Nem tempo a economizar.
O tempo é todo vestido
De amor e tempo de amar.
 
O meu tempo e o teu, amada,
Transcendem qualquer medida.
Além do amor, não há nada,
Amar é o sumo da vida.”
 
(Carlos Drummond de Andrade)
Ao receber o convite para escrever algo para o Ipê – Programa de Publicações do IEP, vindo de uma pessoa tão especial para mim, Ana Lucia Ferreira de Albuquerque, senti uma enorme emoção que motivou o desejo de fertilizar algumas idéias, e foi onde comecei a brincar com o nome do programa: Ipê. 

Lembrei-me de um livro que havia lido na infância, “Quando florescem os Ipês” de Ganymedes José. Trata-se de uma história de quatro adolescentes que viviam em uma cidade pequena e, com a possibilidade de mudarem-se para uma cidade grande, vivenciando as incertezas, medo, sofrimento e esperanças. Um livro classificado como triste; lembro-me sim de ter ficado com a sensação de desconforto quando o li.

No Mato Grosso, há uma crendice de que o Ipê floresce no inverno seco de lá porque ele acredita que vai morrer. Diante do sofrimento, eles abrem as flores para liberar a semente e assim garantir a próxima prole do cerrado.

Há outra lenda sobre os Ipês: quando Deus estava distribuindo para as árvores a época em que gostariam de florescer, nenhuma das árvores queriam o inverno por ser seco, frio e haver muitas queimadas, porém Deus precisava de pelo menos uma. Foi então o Ipê o único a aceitar tal proposta, sendo considerada pelas outras como muito corajosa.

Por este motivo, Deus concedeu aos Ipês que florescessem das mais variadas cores, para colorir uma estação rigorosa com tamanha beleza.

Mesmo sendo por um período relativamente curto, sua floração nos brinda com uma exuberância sem igual, dando-nos o prazer de apreciá-las.

Pensando nesta passagem de cores durante o inverso/inverno, vem à mente o texto Transitoriedade, de Freud (1916) que descreve um de seus passeios por uma rica paisagem num dia de verão em companhia de um amigo taciturno e de um poeta jovem.

Segundo Freud (1916), o poeta admirava a beleza da paisagem, porém não se alegrava com ela, pelo fato de estar condenada a extinção, pois no inverno ela desapareceria.

Freud (1916) fala da Transitoriedade como o valor da raridade do tempo: “A limitação da possibilidade da fruição aumenta a sua preciosidade” (pág.249). E continua: “…mas se o valor de tudo quanto é belo e perfeito é determinado somente por seu significado para a vida emocional, não precisa sobreviver a ela, e portanto independe da duração absoluta.” (pág. 249).

Na tentativa de uma interface das árvores não quererem florescer no inverno e do amigo poeta de Freud (1916), talvez poderíamos pensar na dificuldade que ambos estavam demonstrando para elaborar suas perdas e lutos, como se pudesse evitar sofrimentos, não estabelecendo vínculos e sentidos para as experiências que a vida oferece ao longo de nossa existência.

Fico com uma questão para pensar: para não desfrutar das experiências emocionais nos encontros que a vida nos oferece, quanto nos enganamos, muitas vezes, pensando em uma eternidade, ou não se apropriando das mesmas? 

Tantas coisas ao decorrer de nossa estrada percorrida vamos deixando para trás,  não ficando em  nossas lembranças diárias: nossa infância, nossa adolescência (como no livro citado acima), a casa dos pais, pessoas importantes de nossas vidas que se vão, outras que simplesmente se afastam da nossa convivência por buscar novos horizontes, e todas as oportunidades outras a partir de uma simples escolha.

Eu gosto de pensar na bravura dos Ipês, que apesar de todas as adversidades do inverno, apostam em seu sofrimento para florescerem e garantirem sua próxima prole, dando-nos um espetáculo de cores e beleza. O sentido disso para mim é um fenômeno chamado Vida.

Tento aprender a cada inverno um pouquinho mais com essa espécie de árvore pela qual desde a minha adolescência me sinto atraída, o que me levou a leitura de um dos meus primeiros livros.

Apreciá-los me remete a pensar em nossa passagem pela vida, desde seu início até seu final, e com as experiências emocionais que vamos nos permitindo sentir, implicando no modo como florescemos, como desabrochamos!
 
Referências:
FREUD, S. A Transitoriedade [1916]. In: FREUD, S. Obras Completas Volume 12: Introdução ao Narcisismo, Ensaios de Metapsicologia e outros textos [1914-1916]. 1 reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. (p. 247-252).
JOSÉ, G. (1976). Quando florescem os Ipês.  Cidade. Ed. Brasiliense. (p. 125).
LOPEZ, V. 16/10/2020, recuperado em 20/10/2020 de https://www.gazetadigital.com.br/editorias/cidades/ips-florescem-no-sofrimento-do-inverno-seco-de-mato-grosso/626002#
BRAGA, J.H.S,  06/07/2017, recuperado em 20/10/2020 de https://www.agrandeartedeserfeliz.com/a-historia-dos-ipes/


Por: Fabiana Andréia Schiavinato Germano. Psicóloga Clínica (CRP 06/99245), com graduação pela Universidade  Paulista de Ribeirão Preto (UNIP). Especialista em Teorias e Técnicas Psicanalíticas pelo IEP-RP. Membro Associado do  IEP-RP.  Membro Filiado da SBPRP.