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Rembrandt. Filósofo em meditação. 1632. Pintura, óleo em tela, 34x28cm.

Quantos sentimentos um convite pode mobilizar em nós? Bem, para mim, escrever para o IPÊ foi uma grande honra e isso exigiu que eu ativasse recursos internos para poder lidar com todas as emoções envolvidas ao vivenciar essa linda experiência.

Diante disso, pensei em como essa pandemia vem exigindo uma exposição nova de nós mesmos. Para você, leitor, é fácil escrever, participar de lives, fazer vídeos em redes sociais ou até mesmo participar de reuniões online? Acredito que esse novo formato de estar com o outro veio para ficar e agregar, mas, ainda assim, é algo com o qual a maioria de nós não está acostumado. A grande novidade dessa exposição online, penso eu, é que não sabemos quem ou quantos estão do outro lado. Não temos a dimensão da nossa exposição. Precisamos criar um espaço em nossas casas para trabalhar e com isso acabamos compartilhando novos cenários. Assim, nossa intimidade está mais à mostra, não só a da casa concreta, dos novos quadros e sons, mas da casa-mente e, daí abrem-se portas infinitas para fantasias.

Não estamos somente enfrentando as emoções que já estão tão à flor da pele por todas as privações que se fazem necessárias em um momento como este, mas, ao enfrentar o novo, temos a oportunidade de descobrir nossos recursos desconhecidos. Para Ferro (2011), todas as mentes agem de modo a evitar as emoções, pois o despertar delas pode conter uma experiência parecida com sofrer uma violência. Acredito que ao evitar emoções evitamos também, muitas vezes, nosso desenvolvimento pessoal e este me parece um momento bastante favorável para caminharmos nesse sentido. Como na obra de Rembrandt (1632), o filósofo encontra-se em meditação, ou seja, olhando para dentro, ao mesmo tempo em que, no seu mundo externo, a luz que vem de fora e do fogo ilumina a penumbra ali antes existente.

Tenho ouvido muito que o ano está perdido, e é disso que esse texto se trata, sobre encontrar e não sobre perder. Claro que não podemos deixar de sentir as perdas das pessoas, mas falo aqui do que seriam as perdas de rotina, dos antigos hábitos. O encontro com nós mesmos é trabalhoso e exige coragem, pois é com muita frequência que vemos em análise: o quanto dói reconhecer nossas grandiosidades, nossas qualidades. O ano que nos fez sair, forçadamente, da zona de conforto, do nosso setting há tanto tempo estruturado e com pouca possibilidade de mudança. Mudou-se além do divã. Mudou o analista, o analisando e todo o resto da sociedade.

Em um belíssimo texto, Freud fala sobre o estrago da primeira guerra, mas em uma visão bastante esperançosa, diz: “Reconstruiremos tudo o que a guerra destruiu, e talvez em terreno mais firme e de forma mais duradoura do que antes” (Freud, 1915, p.319). Quando vamos escrever algo, temos ideias em mente e escolhemos uma para tratar, mas dificilmente sabemos onde o texto realmente irá dar. Ao passo que fui escrevendo, me vi agradecida por todas as novas oportunidades de crescimento, e com esperança que você, que está lendo essas palavras tão íntimas, também esteja podendo abraçar cada nova vivência, crescendo para que o seu terreno interno esteja mais firme quando um outro novo chegar.

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Agradeço ao Departamento Científico do IEP por esse convite suscitando emoções tão deliciosamente inquietantes.

Referências:
FREUD, S. (1915). Sobre a transitoriedade. In: _______. Obras psicológicas completas. Rio de Janeiro: Imago, 2006. (Edição Standard Brasileira).
Ferro, A. Evitar as emoções, viver as emoções. Sociedade Psicanalítica de Porto Alegre. São Paulo: Artmed, 2011.
Rembrandt. Filósofo em meditação. 1632. Pintura, óleo em tela, 34x28cm.


Por: Taináh de Barros Alencar. Graduação em Psicologia (CRP:06/119731) pela Universidade Paulista, membro titular e diretora suplente do Departamento de Atendimento Psicoterápico do IEP/RP.