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Crédito Imagem: Juana Gómez

Pensando em psicanálise, mas também nas dificuldades de se manter relações profundas, permeadas por afeto, num geral, tenho percebido que um contato emocional muito profundo envolve o compartilhamento de experiências, que mesmo tendo transformações e deturpações, no ato da comunicação, cria a sensação na dupla de estar sendo acompanhado, compreendido, de ser alguém no mundo (WINNICOT, 1956).

Seguindo nesse caminho, penso que as experiências emocionais em “O” (BION, 1962/1991) são raras, dependem de nossas ampliações emocionais, da disponibilidade afetiva no estar com outro. Essa disponibilidade vai muito além de um: “te aceito como você é”. Ela implica em condições mais profundas e inconscientes e envolve as comunicações que se dão na via das entrelinhas, nas passarelas imaginárias do que se estabelece entre mim e o outro. 

E estas relações podem se dar nas mais variadas situações, como nas ruas, vielas, avenidas e passarelas que se estabelecem entre eu e o Drummond quando leio sua poesia, entre eu e o Van Gogh quando me deparo com o assombro dentro de mim, que sua tela me causa. Ou até mesmo entre eu e meu paciente, quando de sua fala, sonho acordada com uma experiência da minha infância. Entre eu e minha mãe, quando podemos nos conectar caladas, com a ânsia e de falar tudo e acabarmos não falando nada verbalmente uma à outra. Entre mim e você, que no momento em que escrevo, lhe imagino lendo e vivendo emoções dentro de si.

É preciso coragem! Estar em carne viva frente ao outro e sentir sua abertura pode ser assustador, um mar revolto de emoções nos toma. O Capitão que há dentro de nós rapidamente se coloca em alerta e grita aos nossos tripulantes mentais: acionem rapidamente os mecanismos de defesa! Ele vai me invadir! Vou ser criticada! Minhas fraquezas vão me constranger! Vou me descontrolar de tanta emoção! E logo os muros se erguem novamente, para que a mente aguente, para que nós aguentemos o tranco de estar de verdade com alguém. 

Entretanto, sem as trocas, o que seríamos? Segundo muitos autores da psicanálise não seríamos sequer capazes de pensar. Ampliando os conceitos oferecidos por Freud e Klein, Bion coloca, que nem uma ideia surgiria em nossa mente, não fosse a possibilidade de se relacionar, fazer vínculo e viver uma experiência compartilhada com outro alguém (BION, 1962/1991). 

Tais questões me lembram de quando alguém me pergunta: você faz terapia? Quando respondo há quantos anos e quantas vezes por semana faço análise, a pessoa se espanta. Tudo isso? Eu, nesta hora, poderia responder com a teoria, mas, aqui pensando, acho mais verdadeiro responder com a minha experiência: eu não sei outra forma de aumentar minha capacidade para estar de verdade com alguém, que não seja me dando a oportunidade de estar mais comigo mesma, através de alguém. 

Obrigada, leitor, que me permitiu a vivência compartilhada destes pensamentos.

Referências: 

WINNICOTT, D. W. (1956). A preocupação materna primária. In: Da pediatria à psicanálise (1958). Ed. Imago, Rio de Janeiro.
BION, W. R. (1962/1991). O aprender com a experiência. Ed. Imago, Rio de Janeiro. 


Por: Marina Delduca Cilino. Psicóloga clínica, com graduação pela USP, mestre em psicologia da saúde e desenvolvimento (USP), especialista em teorias e técnicas psicanalíticas (IEP-RP),  professora/orientadora do curso de especialização em teorias e técnicas psicanalíticas (IEP-RP), diretora do departamento científico (IEP-RP).