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Texto 21 IPÊ: A falta da fala

11/21/2020

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Domicílio do Vazio (Daniela Reis, 2017)
Quando me convidaram para escrever este texto, fiquei sem saber o que falar. Sobre o que falar? Por que as palavras me faltam? Como é difícil estar diante desse desconhecido, desse vazio...Surge, então, a ideia de falar sobre a fala, pois eu estava mergulhada em estudos sobre a linguagem a partir de um olhar psicanalítico lacaniano. Assim, escrevo sobre como a linguagem se constitui, como ela nos constitui e como se mostra.

Em seus Escritos de Linguística Geral, Ferdinand de Saussure (2004), considerado o pai da Linguística, aponta para algumas propriedades da linguagem, frisando que a palavra é constituída de dois domínios: a ideia (conceito) e a forma (imagem sonora), sendo que ambos são construções sociais e culturais. O autor se debruçou sobre o estudo da língua, e mais do que isso, deu indícios de sua percepção de uma ‘fragilidade’ da língua, que envolve a intuição, a poética, o vazio, a evolução e mutabilidade, as lacunas e o incontrolável.

No mesmo período histórico, Sigmund Freud também pesquisava questões relacionadas à linguagem e suas perturbações, porém a partir do olhar clínico psicanalítico. No texto Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901), Freud analisa algumas situações como o esquecimento de nomes próprios, os lapsos de leitura e de escrita, introduzindo as questões do inconsciente nos processos linguísticos. 

Assim, através de suas observações da clínica e da sua vida pessoal, Freud (1901) percebe que os processos da linguagem (a fala, leitura e escrita) e o esquecimento e/ou lapsos podem estar conectados, através do mecanismo do recalque. Freud, então, assume que o pensamento pode ser perturbado pelas ideias contraditórias do desejo que ficou recalcado, e que os lapsos não são falta de atenção: são perturbações da atenção causadas por pensamentos que se impõem e desejam consideração.

Freud, com seus estudos, mudou a lógica do ideal de indivíduo, no qual este é o dono de si, que passa a sofrer interferências do desconhecido, que é o inconsciente. A partir disso, podemos discorrer sobre a interdependência entre linguagem e inconsciente para a constituição do sujeito, baseada na teoria psicanalítica.

No texto “Além do Princípio do Prazer (1921-1922), Freud apresenta a brincadeira do carretel de seu neto, na qual o carretel desaparece e o neto faz o objeto retornar à sua posse, acompanhado de uma fala, interpretada como uma renúncia instintual do bebê, pela sua introdução à cultura, ao deixar sua mãe ir embora. O brincar (que inclui o brinquedo e a fala da criança) representaria a transformação de um estado de falta de controle sobre o objeto amado (mãe) para uma sensação de controle. A brincadeira, dessa forma, torna-se um meio de elaboração mental, em que a criança passa da passividade para a atividade.

Na ausência da figura materna, cria-se na criança uma expectativa e um desejo de retorno/presença. O nascimento da linguagem se dá no momento em que esse desejo de retorno se materializa, como forma de suportar o movimento presença/ausência, no desenvolvimento da simbolização, que é também a fala. Esse é um momento de luto importante na vida da criança (DIDI-HUBERMAN, 2010).

No início da vida, o bebê vive um grande desamparo, pela dependência psíquica em relação aos adultos. Assim, a comunicação (tanto do bebê quanto de seu cuidador) se dá como instrumento de suporte para tal desamparo inicial. O bebê precisa desse cuidado do outro para sobreviver, pois a tradução das emoções do bebê realizada pelo adulto permite que o bebê se torne cada vez mais independente. No entanto, quando o bebê chora e o adulto tenta decodificar essa comunicação, não é possível acontecer uma correspondência exata das comunicações, ou seja, existe uma falta, um buraco entre o ‘falado’ e o ouvido; um desencontro que permanece com o sujeito em todos os encontros seguintes. Tal completude é perseguida por toda a vida desse sujeito (HARARI, 2001).

A mãe tem uma fala particular, que é o ‘manhês’, que é fundamental para que a criança entre na linguagem, pois é a partir desse endereçamento afetuoso que a criança passa a se reconhecer como sujeito de desejo. A musicalidade das emoções da mãe transmitida ao bebê é estruturante e impele no bebê o desejo de troca, do encontro, do diálogo, da comunicação (QUEIROZ, 2003).

A partir dessa apresentação do sistema simbólico que o outro faz para o bebê, iniciará o processo de sua constituição psíquica (BRUDER & BRAUER, 2007).

Faz-se, assim: a importância da fala da mãe, que traduz para seu bebê o que este ainda não sabe, e que ainda falta ser. A importância da fala, do grito, do choro, do protesto, ou dessa escrita, para se conhecer e ser reconhecido, também na falta. A importância da fala do analista, que coloca em palavras o que ainda só pode ser sentido pelo paciente; também na sua falta de sentido. A importância da fala do analisando, que conta histórias tentando encaixar seus quebra-cabeças, e que podem faltar peças. A importância da fala dos contistas que constroem pontos e pontes imaginárias para o mundo submerso dos leitores, e que ainda falta elaboração para ambos....

De uma forma mais livre e não mais teórica e estruturada, é possível considerar, então, os momentos de constituição e (re)construção de uma personalidade através da linguagem do inconsciente, que se mostra faltante. Surge, assim, um lado mais poético, inconstante, que não se estrutura perfeitamente, mas que, como o outro lado da mesma moeda, mostra-se: a fala demonstra e deixa escapar a nossa falta. A fala é a tentativa de encontro, mas ao se concretizar, escancara o desencontro e o desencanto.

A fala se faz como tentativa de aproximação...
A fala se faz como tentativa...
A fala se faz como...
 
Falei, assim, sobre a fala que estava me faltando.

 
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REFERÊNCIAS

BRUDER, M. C. R.; BRAUER, J. F. A constituição do sujeito na Psicanálise Lacaniana – impasses na separação. Psicologia em Estudo, Maringá, Vol. 12(3), 513-521, set/dez. 2007. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pe/v12n3/v12n3a08.pdf. Acesso em 12 de outubro de 2020.
DIDI-HUBERMAN, G. O que vemos, o que nos olha. São Paulo: Editora 34, 2010.
FREUD, S. Além do Princípio de Prazer, Psicologia de Grupo e outros trabalhos (1921-1922). Vol. XVIII. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
FREUD, S. Sobre a Psicopatologia da Vida Cotidiana (1901). Vol. VI. Obras psicológicas completas de Sigmund Freud: Edição Standard Brasileira. Rio de Janeiro: Imago, 1996. 
HARARI, R. Da eficácia da ação ao esquecimento do nome próprio. In: O que acontece no ato analítico? A experiência da Psicanálise. Rio de Janeiro: Companhia de Freud, 2001.
QUEIROZ, T. C. N. Entrando na Linguagem. Estilos da Clínica. Vol. 8(15), 12-33, 2003. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/estic/v8n15/v8n15a02.pdf. Acesso em 12 de outubro de 2020.
SAUSSURE, F. Sobre a essência dupla da linguagem. In: Escritos de Linguística Geral. São Paulo: Cultrix, 2004.


Por: Lia Brioschi Soares. Psicóloga graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) (CRP: 06/104899). Doutoranda pelo Programa de Pós-Graduação de Enfermagem em Saúde Pública da EERP-USP. Especialização em Teorias e Técnicas Psicanalíticas pelo IEP-RP. Membro titular do IEP-RP. Psicóloga Clínica e Psicóloga da Prefeitura Municipal de Orlândia.
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Texto 20 IPÊ: Nossos Buquês

11/8/2020

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“O essencial é invisível aos olhos.” 
(SAINT-EXUPÉRY, 2015, p. 73)


Neste ano, meus olhos voltaram-se de modo diferente para os ipês. Tenho o privilégio de ter alguns ipês próximos a mim, os quais posso observar e visitar com frequência. Um deles é aquele para o qual eu escrevo. Devo a ele um convite a um novo olhar.

Ipê é árvore capaz de se transformar de esquelética madeira desfolhada em pujante e colorido buquê, que se desfaz para dar espaço ao verde recheio das folhas. Tal qual a árvore que lhe nomeia, podemos considerar que o presente programa de publicações também precisou suportar perda de suas folhas. Compromissos adiados, alguns desfeitos ou refeitos. A energia se voltou para outra demanda, talvez menos visível para um transeunte desavisado que o contemplasse. E tal como a árvore, talvez tenhamos assim nos apresentado por um período: com perdas visíveis e com um porvir que ainda não podia ser vislumbrado. Sim, de tempos em tempos, faz-se inverno para nós. Intermitente e inevitável. Inexorável. A cada translação. Assim como ocorre na vida, assim como ocorre na sessão de análise.

 Na sessão, analista e paciente podem, temendo a angústia catastrófica atrelada a O, experiência de mudança e crescimento, recorrerem a fugas para o passado (memória), o futuro (desejo) ou presente (compreensão intelectiva), de modo que Bion propõe uma atitude “sem memória e sem desejo”, obtida por meio de uma “clivagem não patológica do ego” (ZIMERMAN, 1995). Lembro, então, que Bion (1973 a) sugere ao analista a abstenção da memória e do desejo a partir da “fé” na existência de um “infinito informe”, um “O”. Difere o “ato de fé” do “pensamento”, uma vez que este tem como base uma não coisa, enquanto aquele tem como fundo algo inconsciente, desconhecido e não acontecido (BION, 1973 a). Quanta fé foi solicitada ao nosso Ipê! 

Os ipês resistem às perdas da estação e mantém-se vivos: sem vislumbrarmos grandes manifestações, vão fazendo suas transformações e ainda no inverno desabrocham flores. Na análise os fatos são transformados e formulados e o objeto analítico se torna O quando sua evolução contemplou o suficiente para ir de encontro à capacidade K do analista (BION, 1973 a). É quando as flores presentes se fazem: com rica variedade de estilos e reflexões, pelas contribuições/floradas de seus autores, as flores presentearam nosso Ipê!

Quantas translações vivenciadas! Lembro que o objetivo da análise sendo em primazia a busca por O (a verdade absoluta, a realidade última, o incognoscível), a sensibilidade intuitiva não deve ser obscurecida pela sensorialidade (ZIMERMAN, 1995). Vale ressaltar que, para Bion (1973 a), a verdade última não é apreensível ao ser humano, 

“O não cai no domínio do conhecimento ou da aprendizagem, salvo incidentalmente; ele pode ‘vir a ser’, mas não será ‘conhecido’. Apesar de obscuro e informe, entra no domínio de K quando tiver evoluído até o ponto de ser elucidado através de conhecimento adquirido pela experiência, e formulado em termos derivados da experiência sensorial; sua existência é conjecturada fenomenologicamente.” (p. 29) 

Ao considerar a sensorialidade neste contexto, Bion (1973a) postulou que a memória guarda aproximações com a relação continente contido e pode ser sentida como conteúdo a ser possuído ou conteúdo a ser evacuado. Mais especificamente afirma que a memória necessariamente está subordinada aos sentidos e, consequentemente, ao princípio prazer-dor, assim como os desejos: memórias e desejos têm por objetivo barrar transformações K – O (BION, 1973 a). Recomenda a abstenção de memória e desejo, num deslocamento do domínio do princípio prazer-desprazer e aparente despojamento do princípio da realidade (BION, 1973 b). Não se trata de uma negação da realidade: o analista deveria buscar algo que difere da realidade normalmente conhecida (BION, 1973 b). 

E nosso Ipê segue vivo, em determinados momentos despojado de verde e de flores, em outros com sua copa exuberante. “É preciso que eu suporte uma, duas ou três larvas se eu quiser conhecer as borboletas. Parece que são muito bonitas. Se não forem elas, quem então virá me visitar?” (SAINT-EXUPÉRY, A., 2015, p. 36).  

 
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Referências Bibliográficas:

BION, W.R. Realidade Sensorial e Psíquica. In: Atenção e Interpretação. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1973, p. 29 - 45.
_____. Opacidade de Memória e Desejo. In: Atenção e Interpretação. Rio de Janeiro: Editora Imago, 1973, p. 46 - 60.
SAINT-EXUPÉRY, A. O pequeno príncipe. São Paulo: Caminho Suave, 2015, 93p.


Por: Mariana S. B. Formighieri. Graduação em Psicologia (CRP: 06/73712) e Mestrado pela FFCL/RP-USP, Especialista em Teorias e Técnicas Psicanalíticas pelo IEP/RP, membro integrante e diretora suplente do Departamento Científico deste.

Co-Autoria: Marina Delduca Cilino (1), Ana Lucia Ferreira de Albuquerque (2) e Luís Gustavo Faria Aguiar (3)
1) Psicóloga clínica, com graduação pela USP, mestre em psicologia da saúde e desenvolvimento (USP), especialista em teorias e técnicas psicanalíticas (IEP-RP),  professora/orientadora do curso de especialização em teorias e técnicas psicanalíticas (IEP-RP), diretora do departamento científico (IEP-RP).
2) Psicóloga clínica com especialização em Psicoterapia Psicanalítica pela Universidade de Uberaba (Uniube)/Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP) em parceria. Membro titular e supervisora do Instituto de Estudos Psicanalíticos (IEP-RP). Membro integrante do Departamento Científico Instituto de Estudos Psicanalíticos (IEP-RP). (CRP 06/58835).
3) Psicólogo, formado pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Pós-Graduado em Teorias e Técnicas Psicanalíticas pelo Instituto de Estudos Psicanalíticos de Ribeirão Preto (IEP-RP). Atua na área clínica, oferecendo psicoterapia psicanalítica presencial para crianças, adolescentes e adultos, bem como psicoterapia online para adolescentes e adultos, nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola. É Diretor suplente do departamento científico e membro integrante do IEP-RP.

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