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Texto 06: Tempos de COVID-19: Memória e Criação

5/30/2020

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Quadro Persistência da Memória. Salvador Dali (1931)
Estava mergulhada neste quadro, quando recebi o convite para escrever um trabalho para o IPÊ. Não tive dúvida quanto a aceitar o convite, pois o que me proponho a fazer aqui, já estava tomando alguma forma dentro de mim quando me deparei com a imagem. Já ecoava meu mundo interno alguns pensamentos sobre a mesma e aqui está minha tentativa de dar um contorno para a experiência que estamos vivendo. 

Em tempos tão sombrios, a arte se faz necessária. Penso que a proximidade com ela nos enriquece, nos tira do nosso lugar comum, nos faz sonhar. Em busca de sentidos às vivências atuais, ela nunca foi tão enriquecedora. Tenho buscado, tanto dentro como fora de mim, memórias, imagens, pensamentos e sentimentos que caminhassem ao meu lado nesse percurso tão nebuloso que atravessamos. Sim, uma companhia viva, companhia que ajuda no caminhar deste deserto, como na pintura acima.

Encontro nessa obra de arte, um acalento. Ou um desespero. Podem ser as duas coisas. Penso na temporalidade e a memória. O tempo nunca foi tão subjetivo para nós. Assim como na pintura, estamos em um deserto, um espaço sem vida, cores e plantas. O relógio, também esboçado no quadro, representando um tempo distorcido. E com isso, quantas dúvidas. Quanto tempo ficaremos longe das pessoas que amamos? O que sobrará deste tempo? Quanto tempo as crianças ficarão sem brincar com os amigos? E seus processos criativos, que também se dão, em pares? Ah, o tempo!  O tempo indefinido. Sim, perdemos a noção do tempo e dos dias. Quantas vezes nos pegamos sem saber qual o dia da semana? Para os que não estão desconectados da realidade, não é a mesma sensação de estarmos de férias. Falo de tempo distorcido, sem forma, que se esvai, tempo líquido.  Quais os sonhos possíveis?  O futuro existe, por força da expectativa de que as coisas ocorrerão, no presente. Assim, em consonância com as vivências atuais, como estabelecer planos futuros?

Neste percurso de acontecimentos, o tempo vai nos deixando memórias, nosso arsenal psíquico de lembranças continua em constante formação. As memórias nesse caminho tortuoso, sem vida e brilho, como um deserto no quadro. Os sonhos que acessamos, quais os pesadelos que temos. Memórias de dias difíceis, cheios de dores e ansiedades. Memórias de esforços para mantermos nossas mentes vivas. Criativas. Pensantes. Memórias de pessoas esgotadas, outras tantas, sem perspectivas. Mortes reais e subjetivas. Perdas de ícones, referências, afetos. Um tempo real distorcido que nos traz tantas perdas, mas também ganhos. Ganhos de novos encontros, dentro de nossas próprias realidades, aprendizados até então não acessíveis. Tantas memórias de dias aterrorizantes, mas também de dias criativos. 

Já nos dizia Winnicott (1999) que, para ser criativa, uma pessoa deve existir e possuir o sentimento de existir, é então algo que brota do ser. Isso indica que quem é, está vivo. Só podemos ser criativos se tivemos uma boa experiência com o outro (ABRAM, 2000). Observam-se muitas novidades com esse novo momento que estamos vivendo. Quantos movimentos criativos notamos em nossos dias, novos modos de trabalhos e de viver, até então, nunca imagináveis e possíveis. Novas brincadeiras com os filhos, novos modos de interação no campo de trabalho.

No fundo no quadro, há um esboço de esperança. Uma imensidão de água e céu, que também me faz pensar em um infinito. Infinitas possibilidades. De reconstruções, necessárias, de caminhos possíveis.

Diante de tantas perdas nesse novo tempo, distorcido, memórias difíceis que não poupam em emergir e esforços para nos mantermos saudáveis, há um universo infinito, como o encontro do mar e do céu. Em contato com o mar, por onde você olha, sempre tem céu e mar, esse encontro nunca acaba. O que vem da imensidão deste encontro? Eu não sei, acredito que nem você. Trago muitas dúvidas, mas algum ponto para pensar e sentir algumas coisas. Penso em caminhos, bons, ruins, novos, também encontros e possibilidades. Que este ponto de criação possa ser um início para vocês também, leitores. Que a partir dele, vocês possam criar. Coisas, pensamentos, ideias, e sentimentos. Sigamos. Acompanhando e sendo acompanhados pelo tempo e por nossas memórias! As de hoje e as que virão, juntas, nessa imensidão. 
​

Trago para finalizar este trabalho, um trecho de Winnicott (1999, p. 28) que me inspira “No viver criativo, tanto você como eu descobrimos que tudo aquilo que fazemos fortalece o sentimento de que estamos vivos, de que somos nós mesmos.”
 
_________________________________
Agradeço a Diretoria de Ensino pela oportunidade e acolhimento. Agradeço a toda família IEP que me acompanha e me oferece a oportunidade de tanto desenvolvimento, vínculos, e trocas. Minha eterna gratidão!


Referências:

ABRAM, J. Rio de Janeiro: Revinter, 2000.
WINNICOTT, D. W. Vivendo de modo criativo. In: Tudo começa em casa.3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.


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Texto 05: Sobre nós. Sobre nós agora

5/23/2020

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Morte e Vida (Gustav Klimt)
Foi com muita alegria que recebi o convite para participar deste novo espaço, o IPÊ. Impossível não lembrar o motivo pelo qual fora criado, graças à criatividade do departamento de eventos científicos, devido à suspensão de todos os eventos presenciais enquanto durar a pandemia da COVID-19. Esse convite foi um grande estímulo para pensar de forma um pouco mais organizada, diante de tanta novidade que as orientações de restrição nos causaram. Fique em casa – quantos desdobramentos vieram a partir destas três palavras! Para nós, os “trabalhadores psis”, citando Di Loreto (2004), ficar em casa equivale a não ir ao consultório, não ter os encontros com os pacientes, muitos deles já há anos, outros, recém-chegados. Seja qual for a situação, esse foi o primeiro susto que suscita questão desde sempre pensada e discutida, que é sobre quando é possível interromper um processo de psicoterapia baseada na abordagem psicanalítica ou o processo de análise em si. Enfim, constata-se que não há fase para ser considerada tranquila para interromper um processo psicanalítico. Vamos, então, aceitar e experimentar o que, até então, era pouco utilizado pela maioria dos psicólogos, o atendimento online, já que quão precioso é estar junto, pessoalmente, como o método mais conhecido para o encontro além do físico, o encontro psíquico para o desenvolvimento do nosso trabalho. Flexíveis, aprendizes, em constante construção como é a nossa formação, disponibilizando nossas mentes e reorganizar o setting para as experiências neste espaço virtual. 

Algo de fora nos fez reagir assim, uma pandemia, que afetou de maneira importante, dentre vários, dois conceitos: espaço e tempo. Kaës (2012) trouxe uma compreensão de que o mal estar surge a partir de transtornos de nossa relação com tempo e espaço e que esses são transformados sob efeito da ação humana. O conceito de espaço entendido como acessibilidade quase universal dos territórios além do planeta, aceleração das velocidades de deslocamento, as realocações econômicas, a virtualização do espaço da internet, a extensão do espaço conhecível, o espaço hiperurbano, a diversidade dos meios de transporte e os equipamentos transformaram radicalmente nossa geometria mental, nossas marcas de identificação, o sentimento da nossa identidade. O espaço psíquico também se transformou, na difração de vários espaços, o espaço psíquico íntimo, virtual, espaço dos vínculos e dos grupos, entre outros. O tempo – a velocidade acompanhou todas as modernidades. A hipermodernidade é o tempo do excesso de velocidade e essa velocidade alterou nossa concepção de tempo e nossas temporalidades psíquicas, sociais e culturais. Acrescenta dizendo que, em todas as sociedades e culturas, momentos de sincronização são necessários para a continuidade da vida psíquica, ajustes nos vínculos intersubjetivos e para a coesão social. As religiões e as festas, a escola e a família, eventos laicos ou religiosos são os momentos de sincronização. Eles exigem um imediatismo que reforça a necessidade imperiosa de estar no presente, e não no passado, sem memória, ou no futuro, sem projeto. A ruptura da normalidade que estamos vivendo pode ser compreendida como um momento de sincronização, pensada como um ajuste do “corpo social”, devido à mudança de ritmo do cotidiano que foi imposta. Por outra perspectiva, pela necessidade imperiosa de estar no presente, podemos compreender, também, assim como acontece nas sessões de análise, nos encontros psíquicos, a sessão sendo essa possibilidade de sincronização do sujeito ao próprio psiquismo, tanto para o paciente quanto a importância do analista estar sincronizado consigo mesmo para poder estar com o outro no seu máximo de inteireza possível. 

Essa pandemia nos colocou em uma batalha, uma guerra contra um vírus que podemos acompanhar diariamente através de números, os que sobreviveram, conseguiram se recuperar e os que não conseguiram, infelizmente, resistir. Quanta angústia causa a todos serem lembrados a todo instante da existência da morte. Morte essa real, concreta, do corpo. No entanto, essa batalha é travada também dentro de cada um, de maneira permanente. Lembremos de Freud, em seu artigo de 1911, Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental, com a complementariedade dos princípios de prazer e de realidade, trabalho no qual insere a ideia de que existe o conflito fundamental entre os instintos de vida e de morte habitando nos psiquismos dos sujeitos. Lidamos com os sentimentos para os quais também não existem vacinas e que só conhecemos os estragos quando dentro da experiência, de maneira única para cada ser. Como também é esse vírus, desde assintomático para alguns, mas mortal para outros. Devemos levar em consideração qual corpo é esse que fora infectado, assim como considerar qual é o funcionamento desta mente que também é parte constituinte deste todo quando em contato com as experiências.  Como essa experiência concreta, esse duelo entre a vida e a morte, repercute em cada um nesses movimentos mentais? Lembro Bion (1957), em Sobre arrogância, com a “hipótese de que, na personalidade em que predominam os instintos de vida, o orgulho se converte em respeito a si mesmo; predominando os instintos de morte, o orgulho se transforma em arrogância”. 

Muito tem sido falado sobre imunidade. Imunidade do corpo. E da mente? Já vimos ser impossível, já que não existe maneira de se preparar para algo antes de ser vivido. Kaës (2012), contribuiu com o conceito de plasticidade do aparelho psíquico, definido como sendo a propriedade do conteúdo psíquico, de seus processos e suas formações, de se transformar diante do contato de imperativos internos e externos. A plasticidade diz respeito também à flexibilidade das organizações pulsionais que as  realizações de desejo, os conteúdos e as formas de pensamento a vincula com os outros processos mentais. Ela é um processo vital, que se opõe à rigidez, à fixação e aos automatismos, vistos como manifestações das pulsões de morte. A qualidade plástica do psiquismo é particularmente solicitada nas situações de perigo, de ameaça, cada vez que a capacidade de recompor os dispositivos e as formas são exigidos para superar essas situações. Esta qualidade permitiu à espécie humana de se desenvolver, superando as crises que ameaçam sua sobrevivência, assim como ela também tornou possível que cada sujeito, em seu crescimento, de não se fixar a um estado de inércia. 

As restrições estão interferindo em nossa percepção subjetiva de tempo e espaço. O tempo está limitado para o agora, sem possibilidades de planejamento, já que estamos lidando com um desconhecido. O espaço está restrito para o aqui, pois quanto menor a movimentação, melhor a contribuição para o todo. A realidade se mostra o oposto do que Kaës (2012) nos descreveu, exigindo plasticidade psíquica e criatividade, diante de uma realidade que amedronta e coloca a vida em risco. Situação também rica, que nos humaniza diante da igualdade, por meio da vulnerabilidade lembrada pelo surgimento de um vírus que não discrimina. 

As urgências emocionais com as quais nos deparamos também nos coloca na linha de frente, mesmo na aparente calmaria do consultório, recebendo em nossas mentes os conteúdos projetados e que nos impactam, impactos impossíveis de quantificar e mensurar, diante das constantes epidemias de depressão, ansiedade, obsessões, compulsões, automutilações, entre outras. 

Agradeço o convite do departamento cientifico para participar deste espaço, criado a fim de podermos continuar estando juntos, sempre tão fundamental para nossas trocas, que nos alimentam e contribuem para o constante desenvolvimento da nossa capacidade de pensar.

                                   

Referências:
BION, W. R. Estudos psicanalíticos revisados. – 3ª ed. Revisada – Rio de Janeiro: Imago, DI LORETO, O. Origem e modo de construção das moléstias da mente (psicopatogênese): a psicopatogênese que pode estar contida nas relações familiares. – São Paulo: Casa do Psicólogo®, 2004.
1994.
FREUD, S. (1911). Formulações sobre os dois princípios do funcionamento mental. In: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud (vol. XII, p. 237-244). Rio de Janeiro: Imago, 1996.
KAËS, R. Le malêtre. Malakoff: Dunod, 2012.

Por: Lívia Maria Saadi Ezinatto Dassie - Psicóloga Especialista Clínica (CFP)(CRP: 06/83329), membro titular do Instituto de Estudos Psicanalíticos de Ribeirão Preto (IEP-RP), membro efetivo da Associação Brasileira de Psicanálise de Casal e Família, docente da Pós-Graduação em Psicoterapia de Casal e Família de Orientação Psicanalítica da Universidade Paulista, campus Ribeirão Preto - SP.
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Texto 04: "Lá, lá, lá, lá, lá, lá" Uma rápida reflexão sobre reações à pandemia

5/15/2020

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Fonte: João Tzanno (2018). The three wise monkeys. Disponível em: https://unsplash.com/photos/1NacmxqfPZA
Quando fui convidado a escrever para o projeto Ipê me senti bastante honrado e agradecido pelo convite, e logo comecei a pensar sobre o que poderia abordar. Depois de esfregar os neurônios uns nos outros para ver se saía alguma faísca, dei um tempo e fui realizar uma pesquisa de campo sobre interações humanas através de uma interface digital (termo erudito para “procrastinar na internet”) e me deparei com uma enxurrada de notícias sobre o COVID-19. Corri para dentro de minha casa mental e tentei fechar a porta, mas como em toda enchente, acabei me molhando e um pouco de água entrou pelas frestas da porta também.

Uma das coisas que vi nas notícias e que mais me gerou perplexidade na atual situação é a forma como tantas pessoas têm ignorado a gravidade do que vivemos, insistindo em participar de aglomerações, minimizando os danos causados pelo vírus e agindo como se nada estivesse acontecendo, com comportamentos que, em alguns casos, se aproximam muito do ato de tapar os ouvidos e gritar “lá-lá-lá-lá-lá” para não escutar os fatos.

E então surgiu a faísca: por que tanta gente insiste em ignorar a ameaça desta pandemia?

Fui procurar uma resposta possível para esta pergunta, e penso ter encontrado uma parte substancial dela no pensamento kleiniano.
Klein (1935) aponta que o funcionamento mental possui dois importantes pontos: a posição esquizoparanóide e a depressiva, sendo a primeira considerada mais primitiva. Quando nos deparamos com situações traumáticas, difíceis de serem processadas, desagradáveis, etc, não é incomum que nosso funcionamento mental se aproxime mais da posição esquizoparanóide e busque formas características desta posição de lidar com tais situações.

Dentre estas formas, gostaria de ressaltar duas que são abordadas por Klein: o sentimento de onipotência e a negação. A negação refuta a importância que os objetos bons têm para o sujeito, de forma que a perda destes é colocada como algo sem importância, colocando o sujeito em uma posição de superioridade a estes. Além disso, é feita a negação do perigo ao qual os objetos bons se encontram expostos frente aos objetos maus. Juntamente à negação, costuma-se encontrar o sentimento de superioridade que visa controlar e dominar os objetos.

Mas afinal, o que isso tem a ver com a pandemia?

Milhares de pessoas- seres humanos como eu e você- têm morrido em decorrência do contágio avassalador do COVID-19. Nossos modos de vida, rotinas e hábitos acabaram sendo despedaçados. Um abraço ou um beijo no rosto, cumprimentos tão comuns entre amigos (e no Brasil até mesmo entre estranhos) passaram de demonstrações de afeto a um risco para a vida da noite para o dia.
Tudo isso é ameaçador e desestruturante, e é aí que a onipotência e a negação entram em cena.

A negação e a onipotência buscam proteger nossos objetos internos e, consequentemente, uma parte importante de nossa existência, negando a importância, a gravidade e a dor de algo, como uma situação em que outros seres humanos- tão mortais quanto nós- têm perdido suas vidas aos milhares. Elas nos permitem que nos sintamos superiores ao que é negado, de forma que possamos sentir um maior controle da situação- e quem não gostaria de ter o controle sobre a pandemia?

Em outras palavras, nos coloca em posição de superioridade à coisa da qual estamos tentando nos proteger, ao mesmo tempo em que faz com que as perdas que viemos tendo- vidas, hábitos, rotinas e etc- sejam sentidos como menos importantes do que são. Ambos os fatores se somam, e o resultado é o que vemos: ações que têm colocado a vida das pessoas em risco, tanto as que negam quanto as que não negam, observáveis nas ruas e nas notícias: pessoas participando de aglomerações, festas e eventos públicos, a subestimação dos cuidados de higiene para a prevenção da doença, a crença de que o vírus é uma farsa (criada por outro país, pelos Iluminatti, pelos marcianos, etc) para enfraquecer a economia, e por aí vai.

Guardadas as devidas proporções, as defesas possuem uma importância para o funcionamento mental, porém suas formas mais extremas e rígidas, como parece ser o caso da negação neste momento, fazem com que ignorar o que está acontecendo seja perigoso. Portanto faz-se necessário o trabalho mental para lidarmos com os fatos e com a fragilidade da condição de ser humano, bem como para encontrarmos os recursos internos (e mesmo externos) para enfrentarmos os desafios que nos esperam e, dessa forma, encontrar um modo mais saudável de lidar com a vida e a verdade.



Referência:
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KLEIN, M. (1935). Uma contribuição à psicogênese dos estados maníaco-depressivos. In: KLEIN, M. Amor, culpa e reparação. Imago: Rio de Janeiro, 1996, p. 301-329 (cap. 17)

Por: ​Luís Gustavo Faria Aguiar, psicólogo, formado pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Pós-Graduado em Teorias e Técnicas Psicanalíticas pelo Instituto de Estudos Psicanalíticos de Ribeirão Preto (IEP-RP). Atua na área clínica, oferecendo psicoterapia psicanalítica presencial para crianças, adolescentes e adultos, bem como psicoterapia online para adolescentes e adultos, nas línguas portuguesa, inglesa e espanhola. É Diretor suplente do departamento científico e membro integrante do IEP-RP.
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TEXTO 03: QUANDO NADA MAIS NOS RESTAR... (UMA HOMENAGEM AOS QUE SEGUEM COMIGO)

5/9/2020

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Fonte: Marcos Guinoza, 2019 Disponível em: https://www.instagram.com/p/B0LnX11Bnmj/?utm_source=ig_web_copy_link
Partimos do escuro. Nele, solidão e compartilhamento, paradoxo da intimidade. Para dar início a essas reflexões, utilizo-me da história fictícia de Susan, uma cientista e Michel, um cozinheiro, duas pessoas (como outras quaisquer) que se lançam à misteriosa e à arriscada jornada de uma parceria de intimidade. Diante dos desafios de construir – e de sustentar – um par que se dispõe (e se expõe!) a uma vinculação em profundidade, Susan e Michel vão ficando radicalmente privados de tudo que lhes é conhecido. 

Este é o cenário do filme “Perfect Sense” (em português “Sentidos do Amor” – 2011) em que acompanhamos, durante uma estranha pandemia que assola o mundo, o incrível registro de uma realidade que não podíamos e, em alguma medida não podemos nunca, prever: a realidade da força do que surge em um encontro. Nesta realidade imaginária, como efeito da pandemia, as pessoas vão perdendo seus sentidos (olfato, audição, visão), um a um, fenômeno que é acompanhado de reações emocionais intensas, até chegar à privação sensorial quase total. Diante da “falta de sentidos”, sem poder contar com aquilo que habitualmente as localizam e as orientam na interação com os outros e com o mundo, o que resta? 

A presente história não é sobre Susan e Michel, mas sobre mim e, ouso dizer, em alguma medida sobre você. Com isso não quero propor que cheguemos aos mesmos pontos ou sigamos o mesmo caminho, mas que possamos compartilhar o interesse pela investigação. A minha, parte daquilo que profundamente me toca e me surpreende neste momento (poderia ser diferente?): as experiências com aqueles que seguem comigo, com os que se mantém na exploração de si – e o que me chama à atenção é que alguns a intensificam – ainda que as referências externas desabem.  Assim, este texto também pretende ser uma história sobre a exploração do que resta, quando nada mais nos restar. 

Nós, exploradores do universo psi, estamos nesse momento de crise privados da relativa estabilidade de nossos consultórios, do contato presencial com nossos pacientes incluindo todos os seus sentidos. Diante da evidência de nossa precariedade, com que contamos? De que instrumentos dispomos para conhecer a realidade (mental) e andar na escuridão? Um cego, lembra-nos Bion em seus Seminários na Tavistock (2017), conta com sua bengala para se aproximar da realidade que a ele se apresenta. Por vezes, podemos usar um “cão farejador”, capaz de rastrear aquilo que é invisível aos olhos. O “cão fareja-dor” tem muitas formas de se comunicar conosco; uma delas é por intermédio de um sonho, noturno ou diurno. 

Da mesma forma, tem os que usam a dor, a fome ou a escuridão para trilhar ou rastrear um caminho em direção ao encontro com o outro e consigo. Não é um caminho fácil. Podemos ficar enroscados no trajeto, por exemplo, em estados de fome, escuridão e dor infinitos, sem palavras, sem meios de serem acolhidos. Também podemos ficar presos no tempo, lamentando o que passou, ressentidos pelo que perdemos ou por aquilo que poderia ter sido e não foi. Outro risco é, com as agruras do presente, que vivamos na cola do futuro, à sua espera: quando é que ele vai chegar? Todos nós ansiamos para que a situação melhore o mais rápido possível, mas o perigo é não estarmos presentes no momento presente, pelo tempo que ele durar. 

Por outro lado, a situação de crise coletiva e de muitas privações também me parece abrir caminhos intensos no campo analítico. A começar, o paciente precisa se mobilizar para dar um jeito de manter as sessões on-line: achar um espaço (interno e externo), negociar com a família, etc. Será que nesse processo ativo de batalhar por suas sessões, o paciente também já não inicia um movimento em direção a se apropriar de suas questões? Mais ainda, como quem descasca uma cebola, há aqueles que se despem - camada por camada - dos paramentos desnecessários, dos excessos, das distrações, dos sentidos que já estão prontos e organizados. Estes parecem aproveitar como nunca a oportunidade que se revela: em meio a tantas mudanças, algo – o nosso encontro, o nosso trabalho e, em última instância, o nosso vínculo – se mantém.  

Acredito que esse compartilhamento profundo, entre terapeuta e paciente, de uma condição de abrir mão de tantos sentidos e de se assombrar diante da possibilidade da continuidade do trabalho psicanalítico, delineia um momento fértil e potente para a dupla. Lembro-me agora do que escrevi tempos atrás (“Estranhar-se, Entranhar-se”, blog da SBPRP) e penso que momentos de crise são momentos de diminuir: “Diminuir, diminuir tanto até chegar ao essencial – o ponto mais concentrado, cerne do ser. Então tornar-se infinito. Infinito também mora dentro, é um universo em nós: céu estrelado.” Como é possível que, desnudos e privados, reduzidos ao essencial, possamos expandir, abrir-nos para possibilidades infinitas? O curioso é que, em se tratando de desenvolvimento emocional, costuma ser assim. Dessa forma, o momento da crise pode nos diminuir até o essencial, até nossas mais imprescindíveis buscas e particulares formas de ser no mundo e reagir a ele.

Ouvi recentemente de um colega que nós, que continuamos a trabalhar em direção ao mundo emocional e mental, somos uma espécie de “guardiões da crise”; daquela que é útil ao trabalho psicanalítico quando possível de ser sustentada e investigada. Deparo-me, em minhas reflexões, com a crise que se dá em pelo menos três dimensões.  Uma é a crise maior, mundial, macroscópica. Sobre ela haverá muito o que se pensar (só essa crise já contém muitas crises dentro de si). Outra é a que a crise maior desencadeia em nós: cada um a seu modo é afetado por ela, é tocado em suas particularidades, em seus medos, em seus recursos ou na falta deles.  Por fim, a crise pode ser um estado mental, sempre a espreita ou, ainda, a forma mais importante de algumas pessoas conhecerem o mundo. Sobre esta última, atrevo-me a falar um pouco.

Quem conta com o estado de mente que podemos delinear com o nome de crise (poderia chamar-se “bengala” ou “cão farejador”) como instrumento de investigação e de conhecimento da realidade emocional e mental, dificilmente está estável e confortavelmente seguro. Conheço alguns “tipos” assim. Essas pessoas vivem sob a ameaça da morte: a morte dos sentidos originais e essenciais, a morte proveniente dos desvios que podemos fazer nas comunicações, nas buscas pelo encontro. Podem ser pessoas atentas às nuances, às múltiplas perspectivas que uma comunicação apresenta. São aquelas que olham simultaneamente para o que se tem e o que se perdeu. E tanto, tanto nos escapa o tempo todo! Nestas pessoas, a sensibilidade pode ser um tormento ou um recurso. Ou os dois, simultaneamente.

Eu, ainda que sob o risco constante da morte, luto para manter-me aqui - em todos os sentidos, viva.   Voltando a brincar com a ideia do filme que iniciou esse texto, eu lhe pergunto: qual seria seu “Perfect sense” (sentido perfeito), aquele que resiste, o essencial, aquele que, quando nada mais restar, te guia na escuridão? Neste momento o meu seria o vínculo de intimidade psíquica, e tudo que pode se abrir através dele. 

____________________________

Agradeço ao IEP-RP pelo convite para a escrita, em especial aos coordenadores do projeto IPÊ – Marina Delduca Cilino, Ana Lucia Ferreira de Albuquerque, Luís Gustavo Faria Aguiar e Mariana Siqueira Bastos Formighieri.

Referências:

BION, W.R (2017) Quarto Seminário. Em Seminários na Clínica Tavistock (p.61-78). São Paulo: Blucher. (Trabalho original publicado em 1978)
ZANIN, D. (2019) Estranhar-se, entranhar-se. Publicação eletrônica. https://sbprp.com/2019/04/10/estranhar-se-estranhar-se/
Perfect Sense (2011) https://www.youtube.com/watch?v=9oDOxvN8ivg

Por: Denise Zanin, psicóloga formada pela USP de Ribeirão Preto, membro filiado da SBPRP, membro do IEP, Especialista em Psicoterapia de Orientação Psicanalítica (CEPSI - IP/USP).
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Video IPÊ 02: Maria de Fátima Cury Meireles

5/2/2020

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A psicóloga Maria de Fátima Cury Meireles fala brevemente para o IPÊ (Programa de Publicações do IEP-RP) sobre a atual situação que estamos vivendo com a emergência do novo Coronavírus (Covid-19), e nos brinda com uma fala sensível, acalentadora e que nos chama a atenção para as defesas que estamos utilizando neste enfrentamento e traz reflexões sobre contribuições possíveis da Psicanálise na elaboração e superação destes novos tempos que temos vivido.
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Maria de Fatima Cury Meirelles é Psicóloga Clínica (CRP: 06/15000), formada pela PUCSP.
Atuou como psicóloga no Hospital Santa Teresa em Ribeirão Preto por 25 anos.
É estudante de Psicanálise desde a faculdade.
Membro do IEP desde 2006 e atual Vice-presidente na gestão 2020-2021.
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